Convidado para dar uma oficina de roteiro para
o Curta Cabo Frio 2015, Bruno Pereira, vem marcando a vida cultural
cabo-friense, de forma sutil. Ele é dessas pessoas que vai pavimentando a vida
e o caminho de alguns jovens, alunos ou não (ele é professor do IFF- Cabo Frio)
com suas argumentações e reflexões sobre o fazer artístico e o exercício da
paixão pela arte.Bruno Pereira é professor de Literatura e Redação do IFF
Cabo Frio, licenciado pela UFF em Letras e mestre pela UENF em Cognição e
Linguagem. Dedica-se à teoria e à prática de gêneros textuais, entre eles, o
conto e a crônica. Recentemente, passou a dedicar-se às técnicas da escrita do
roteiro cinematográfico. É autor do roteiro do curta "Dinheiro
Fácil". Prepara-se para produzir o segundo roteiro: "Amores
Baldios".
Cine Mosquito - Quero começar esta entrevista, vasculhando um
pouco da tua história. Onde e em que momento o cinema encontrou o professor
Bruno Pereira?
Bruno Pereira - O cinema me encontrou antes do ofício de
professor. Cresci em São Gonçalo, região metropolitana do Rio. Filho de pais
assalariados, cresci à margem do circuito cultural das salas de cinema. Meu pai
ganhou uma "tevezinha" bem pequena num bingo de quermece. Aquela tevê é que foi responsável pela minha
educação audiovisual. Foi muita Sessão da Tarde depois da escola. Mais à
frente, na adolescência, com o a popularização do vídeo cassete, passei a
assistir a filmes selecionados, de gêneros por que me interessava mais. Hoje o
cinema está na internet. Mas, antes da tevê, vídeo-cassete e internet, sempre
gostei de ver histórias bem contadas. A primeira grande tela de cinema foi a
minha cachola mesmo. Lembro-me pequeno ouvir vidrado toda aquela conversa fiada
do meu pai, antes mesmo da chegada da tevê em casa. E fazer cinema é isso: contar
uma boa história. Mas com vantagens como o registro e a reprodução.
CM - Fale um pouco da tua memória
cinematográfica, quais os roteiros, os filmes e o que te assombrou dentro da
linguagem do cinema.
BP - Sempre gostei de peripécias narrativas. Histórias que exploram
bem reviravoltas e surpresas, mas que façam isso com o mínimo de recursos.
Penso que o expectador que não é um mero comedor de pipoca quer ser
surpreendido e, ao mesmo tempo, ter a inteligência desafiada. Julgo-me um
desses. Gosto também de narrativas paralelas em um filme, e da quebra do fluxo
cronológico. Mas nada espetaculoso. A coisa pode ser simples e, ao mesmo tempo,
sofisticada. Um filme indigente, mas atraente e perturbador é
"Amnésia". Poderia citar filmes consagrados, mas cito esse. É um
filme que não se ampara em grandes atores e não conta com grande produção e,
ainda assim, explora bem recursos técnicos e narrativos de modo a capturar o
expectador. Como narrativa é um verdadeiro cubo mágico para quem assiste.
CM - Você é professor do IFF. Um espaço de
alta performance para jovens estudantes técnicos, é daí que vem o padrão de
qualidade do teu trabalho?
Penso que é a convergência de vontades que faz isso acontecer lá na
escola. Há o fato de ser uma escola federal que, logo, conta com recursos
federais. Mas há a questão da convergências de vontades. Quem entra no IFF,
seja professor, seja aluno, sente que não pode fazer feio: tem que aproveitar o
investimento que é feito na gente para aprender e realizar o possível ali. Sei
que nem todos têm a mesma visão. Mas sinto esse sentimento ali. Isso faz a
gente querer fazer mais e melhor. Às vezes, funciona e repercute.
CM - Teu roteiro "Dinheiro Fácil",
brinca com clichês cinematográficos... Você sente que tua obra vai por este
caminho ou você está experimentando de forma mais eclética essa linguagem?
BP - "Dinheiro Fácil" foi um trabalho feito para apresentar
a alunos do primeiro ano do ensino médio características do gênero roteiro e da
linguagem cinematográfica. Na ocasião, não havia nenhuma expectativa de que o
roteiro se tornasse um curta feito por atores e produtores profissionais.
Inclusive. a presença de clichês era matéria de aula e serviu para ilustrar
aspectos recorrentes no gênero policial
"noir", que tínhamos visto durante o bimestre. Mas flerto com
clichês. Vejo-os como ingredientes de uma culinária bem-sucedida, testada e
aprovada por paladares há um século de cinema. Só não vale errar a mão e
exagerar. Ou valer-se somente disso.
CM - Como é, pra você, dar uma oficina de
roteiro no 9º Festival de Cinema Curta Cabo Frio?
BP - É um prazer e um privilégio. Gosto da ideia de haver lugar para
falar da produção de textos criativos, roteiro de cinema e linguagem
cinematográfica, em Cabo Frio, que é a cidade onde trabalho há quase seis anos.
E gosto disso acontecer num festival. Penso que as pessoas estarão ali
realmente porque querem, afinal, não tem prova e nem vale nota, diferentemente
da escola. Sei que será uma troca formidável.
CM - Qual a diferença entre o cinéfilo Bruno
Pereira e o roteirista Bruno Pereira
BP - Diante de uma narrativa, parto-me em dois: duplico-me. Reparto-me
em expectador, ou seja, aquele que espera ser surpreendido por um sentimento ou
constatação; e em pesquisador: coleto amostras para estudo. Já era assim antes,
quando assistia a filmes e escrevia contos e crônicas. Mas, desde que decidi
produzir narrativas para cinema, faço isso com mais apuro. Procuro pensar
cinematograficamente. Penso em produzir curtas, que são menos complicados e
mais rápidos de fazer. Nesse momento, trabalho e prazer se confundem: o prazer
dá trabalho e o trabalho dá prazer.
CM- Quem é Bruno Pereira por Bruno Pereira?
BP - Entre um montão de coisas que julgo e pretendo ser, sei que sou
um apaixonado por narrativas. Uma boa história ganha o meu coração. Seja uma
piada, seja um romance, acredito que o poder das narrativas vem da magia de
contar a nossa história ao contar outra história. Ou seja, fala de outra coisa,
coisas inventadas, mas fala da gente mesmo. E histórias alimentam e curam.
Tanto na sala de aula entre colegas e alunos quanto na rua ou em casa entre
amigos e família, sinto-me e sagro-me um contador (e escutador) de histórias. E
isso me basta.