quinta-feira, 10 de agosto de 2017

Mergulho Cinematográfico e Cine Mosquito 68 - Uma entrevista para Paulinho Mainhard.

O Cine Mosquito 68, parece que foi um encontro marcado. Amanda Nakao deu o tom com seus Rugidos Uterinos, momento inesquecível, que transformou, definitivamente, o Usina 4 num espaço histórico para a reflexão a partir do Audiovisual. Não foram poucos os momentos em que o poder feminino falou mais alto. E foi durante a produção e culminância deste evento que outro belo momento de expressão do audiovisual aconteceu na cidade, o Mergulho Cinematográfico. Uma oficina diferenciada, que animou uma nova geração de realizadores e curiosos. Jovens entusiasmados fizeram do momento vivido ao lado de Manu e Paulinho, um show de descobertas sobre o audiovisual.
Antes do Mergulho Cinematográfico acontecer, Paulinho propôs uma entrevista comigo onde pude fizer uma boa reflexão sobre cineclubismo e outras percepções.



Paulo Mainhard entrevista Jiddu Saldanha - Um bate papo sobre audiovisual e cineclubismo.
Entrevista exclusiva aqui para o Mergulho Cinematográfico, com meu amigo ator, mímico, palhaço, arqueiro, cineclubista, agitador cultural, inspirador Jiddu Saldanha, que nos brindou com sua honesta visão de mundo, da arte, do cinema e ótimas histórias.
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Jidduks é criador do projeto Cinema Possível, espaço de criação cinematográfica, e do Cine Mosquito, um espaço de exibição de filmes, em forma de Cineclube.

Mergulho Cinematográfico - Que paixão é essa que te move?

Jidduks - Eu devo isso à minha vinda para Cabo Frio, comecei a participar do movimento cultural da cidade e fui sacando umas pessoas que estavam na vaibe do audiovisual, foi por volta de 2006. O Flavio Petchinichi "cantava essa pedra pra mim" mas no mesmo período, acho que 2007, fizeram um filme inspirado na obra do Caio Fernando Abreu "Pela Passagem de Uma Grande Dor", que parece que faturou uns prêmios no festival de cinema local e juntava uma turma de teatro também.
Lembro que, quando estavam fazendo este filme, a Sandrinha Arakawa me contava os detalhes do SET de filmagem. Eu sabia que havia algo ali, tipo, um movimento, o Taberna. Eu tava de fora, mas me sentia incluído porque trocava muita ideia com a Sandrinha e o Ravi Arrabal.
Neste período o Flávio criou o Cine Tribal e o Milton Alencar tava empoderando uma galera do qual Lucas Muller também fazia parte. Depois surgiu a ABAETÉ, uma empresa, no Rio de Janeiro, que tava fazendo uns trabalhos para PETROBRÁS e empregou algumas pessoas do filme "Pela passagem", com carteira assinada e tudo!
Foram várias coincidências, por exemplo, neste mesmo período o Miguel Alencar, me convidou para fazer mímica no festival de cinema, acho que, em 2006 também e um dia, numa das minhas idas ao Rio de Janeiro encontrei o poeta campista Artur Gomes; ele me mostrou uma câmera digital de seis megapixel e falou a seguinte frase "O Filme Intolerance, foi feito com um equipamento gigantesco mas que não tinha o poder de armazenamento dessa caixinha aqui". Aí não aguentei; comecei a fazer audiovisual e nunca mais parei. Fiz uns videoclipes e fui aprendendo a editar. Criei o projeto Cinema Possível e em 2007 eu também fui convidado para estagiar na Abaeté, fazendo um trabalho de campo por aqui e isso me aproximou mais da minha paixão maior, o Cinema.

Paulo e Manu, um mergulho na arte do cinema.


Mergulho Cinematográfico - Como começou o Cineclube?

Jidduks - Um dia, em 2008, encontrei o Flávio Petchinichi, puto da vida, dizendo que tava sem telão para exibir os filmes e que alguém tinha furado com ele. Aí eu disse pra ele mostrar os filmes numa TV e ele me deu um baita esporro, só que o Flávio é mestre até na hora de dar esporro, lembro que ele me disse "descubra o seu jeito de fazer e faça você mesmo"! Eu sempre aprendia muito com ele. Depois de alguns vai e vens pelo Cine Tribal, eu resolvi criar o Cine Mosquito, porque vi duas oportunidades: A primeira foi poder mostrar filmes locais para as pessoas locais, e a segunda, encarar o desafio de formar um público que gostasse de cinema mas não tivesse aquele ranço cineclubista tradicional, onde as pessoas danam a falar sem parar e acabam vendo filmes franceses... Com as novas tecnologias, percebi que o cinema ia sair do controle da classe média e se popularizaria, não como modo de assistir, mas como forma de fazer também. Aí pensei; bom, alguém vai precisar mostrar isso tudo. Hoje eu tenho orgulho de já ter exibido mais de 70 filmes de Cabo Frio e região sem deixar de passar filmes iranianos, cubanos, franceses, japoneses, etc... No cine mosquito, exibimos o que é de melhor na produção nacional, latino americana e local.


Mergulho Cinematográfico - Como funciona o cineclube por dentro? Quem organiza, quem decide a curadoria?

Jidduks - No começo, minha esposa, Christianne Rothier, me ajudava muito. Depois passei a ter a colaboração da Bárbara Morais, que hoje é montadora de filmes. Como meu foco era exibir filmes locais, eu passei 5 anos convencendo os cineastas locais a passarem seus filmes no Cine Mosquito, muitos não gostavam da minha abordagem mas aos poucos, foram me dando crédito e eu conquistei a confiança deles. Não todos, mas a maioria passou a colaborar mais. Porque a gente tem que parar com esse negócio de "meu filme não está disponível". Todo mundo sabe que o brasileiro quase não tem onde passar seus filmes e que todo lugar é bem vindo, o Cine Mosquito é um desses lugares e todos estão convidados, aqui não tem frescura.
A partir de 2014, eu comecei a ter ajuda do pessoal do OFICENA. O Milton Alencar, me ofereceu um horário alternativo na Casa Scliar onde o cine mosquito ficou por um ano e meio. A Sala Nelson Pereira dos Santos é muito bem equipada, foi o apoio que eu precisava para dar ao cine mosquito a cara que eu queria, e juntar a equipe certa. Em 2016 fomos para o espaço USINA 4 e atualmente tenho uma equipe bem coesa. A Nathally Amariá, O Jean Monteiro e o Celso Guimarães. Juntos, nós realizamos diversas atividades como programação, projeção, apresentação do evento e animação. Não sei se você sabe mas o Cine Mosquito é um cineclube com características bem diversas. Lá a gente brinca de mímica de filme, fala poesia e temos um varal artístico chamado VARAL DO BEIJO por onde já passaram diversos artistas visuais da nova geração.


Mergulho Cinematográfico - Conte alguma sessão memorável.

Jidduks - Lembro que em 2008, fizemos uma sessão no Hostel do Peró, da Carminha, e uma amiga, Margarida Maria, mãe do cineasta Luis Simpsom, contou o filme Estômago e foi algo fascinante. Ouvi-la contar um filme de forma magistral, até hoje me emociona, quando lembro desse dia! Em 2009, o cineasta e professor de animação, Daniel Schor, trouxe de Cuba uma série de filmes feitos pelos alunos das escolas de cinema de lá e tem um, chamado Model Town, de Laímír Fano, que emocionou muito o José Facury. Fiquei olhando para ele enquanto o filme passava e acho que ele estava chorando. Foram muitos os momentos. Recentemente, a estreia do filme Rubi, do Mario Salles, levou o público ao delírio. Fiquei muito orgulhoso, principalmente por ser um filme local. Outra coisa bacana que gosto de falar é que, desde 2014, a gente passa sempre na abertura um filme feito por cineasta indígena e, atualmente, temos um público que vem especialmente para conferir as novidades no cinema indígena. Inclusive estou ansioso para receber da prefeitura de São Paulo, um pacote de filmes sobre os índios Xavantes, o Cine Mosquito foi contemplado. Um reconhecimento pelo nosso trabalho sério e continuado.

Mergulho Cinematográfico - Por que fazer um cineclube?

Jidduks - O Cinema é a alma político-social de um país. A indústria cinematográfica é focada no cinema que dá lucro, eu entendo isso, mas tem filmes que jamais serão vistos no circuito comercial. O cineclube é uma forma de resguardar um certo olhar aberto para o cinema. Aquele olhar que não é viciado e nem induzido. É um olhar mais puro, verdadeiro. Mas, claro, isso depende do trabalho da Curadoria. Não adianta fazer cineclube para ver filme estadunidense, porque o cinema deles passa em todas as salas de cinema e, num cineclube, o cineasta dos EUA tem os mesmos direitos do que os de outras culturas audiovisual.


Mergulho Cinematográfico - Como deveria ser um curso de cinema ideal em Cabo Frio?

Jidduks - Pergunta complexa! Eu acho que o curso tem a ver com a cultura cinematográfica do professor. É preciso ir no básico e simples, mas achar o toque que vai direcionar o estudante com entusiasmo a fazer um cinema pessoal. Acho que tem que ser uma didática livre, para que todos possam encontrar seu meio de expressão.
É importante, também, criar uma conexão com os cineclubes locais:Hoje, quem fizer cinema em Cabo Frio, precisa conhecer o Cine Mosquito, no usina4; O Cine Charitas, no Museu José de Dome; o Conhecinema, na Veiga de Almeida, o Cine Debate, na Casa Scliar, além do cineclube Estação São Pedro. E lá tem também um cineclube chamado Ociosos. Cada qual com seu perfil, contribui para uma diversidade de olhares que vai trazer bastante "munição" para o aprendiz.
Outra coisa importante é deixar a câmera correr mais livre em alguns momentos, sem muito direcionamento de olhar, porém, não se pode abrir mão das descobertas básicas que são os legados dos cineastas da década de 20, e aquela russa toda, fonte onde se bebe até hoje. É preciso também, fortalecer os laços culturais do aprendiz, porque não existe só um tipo de cinema no mundo... e por aí vai!


Mergulho Cinematográfico - Dica de Filmes:

Jidduks - Toda a obra de Glauber Rocha, Os filmes do Krzysztof Keslowski, Roman Polanski, Andrei Tarkovski e muito cinema nacional e Latino Americano. Uma dica especial, ver todos os filmes dos amigos! Conhecer a história do Humberto Mauro, que, para mim, foi o cara mais multimídia e faz tudo do cinema brasileiro, um exemplo que seguimos até hoje.

(Jiddu Saldanha - Blogueiro)