O Dia em que Fui para a Guerra.
Uma crônica criada para o blog "Shampu de Arte", onde faço uma reflexão sobre as despedidas nos filmes de guerra. Momentos de forte emoção, clichê somente superado pelo retorno do soldado.
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O filme “Girassóis da Rússia” de Vittorio de Sica, apresenta momentos inesquecíveis. A tomada inicial com uma música de Henri Mancini varre com a câmera um vasto campo de girassóis. Em seguida, a trama perfeita, com ótimo roteiro, belas panorâmicas, travellings, plongées, e tudo que um bom filme tem direito. Montagem, excelentes atores, fotografia correta, narrativa enxuta, planos inesquecíveis e os memoráveis artistas italianos (ah, o cinema Italiano, que saudade): Sophia Loren e Marcello Mastroianni, dignitários desta tão magestosa, bela e profunda arte; a arte de ator.
Girassóis da Rússia - Um dos maiores clássicos de filmes de guerra de todos os tempos - 1977 |
Mas o que me chama a atenção nos dramas de guerra são as despedidas. A cena na estação, quando Antonio (Marcello Mastroianni) se despede de Giovanna (Sophia Loren) é de dilacerar a alma; como diria o poeta Chacal, é simplesmente “a tripa da víscera”. Já revi esse filme dezenas de vezes e quando chega o momento da despedida na estação, quem está indo para a guerra sou eu. Abraço minha esposa, minha filha, meus amigos, faço um cafuné no cachorro, dou uma piscada para meus gatos e sigo, com um fuzil e imensa baioneta pendurado ao ombro. O cantil de água, algumas granadas penduradas na cintura, aquela farda que nunca sei direito se é verde ou azul e que está sempre bem passada. Vejo uma neblina e faz muito frio (a cena sempre acontece em Curitiba). O trem, é daqueles que solta bastante fumaça e faz muito barulho.
Esta semana assisti o filme “A Menina que Roubava Livros”, e dessa vez, o deleite, foi ver a ótima interpretação do ator australiano Geoffrey Rush. A delícia deste filme é que, apresenta todas as qualidades mostradas no filme “Girassóis da Rússia”, e tem um sabor a mais: As cenas de despedidas são três, e todas memoráveis, talvez isso explique porque este filme será, a partir de agora, um daqueles que sempre irei rever, pois nele, sinto a vontade explicita de partir por três vezes consecutivas e depois regressar para o pesadelo da existência, só que, extasiado.
"A Menina que Roubava Livros", com três cenas de despedida, tem também uma linda cena de regresso, clichês que não pode faltar num drama de guerra. |
Por falar em regresso, nada é mais bonito do que ver as personagens dos filmes de guerra voltando pra casa. Os filhos estão grandes e geralmente a esposa casou com outro homem, quando isso não acontece, a cena pode ser ainda mais catártica e promover aquele belo encontro que culmina num abraço bem apertado no melhor estilo de “E o Vento Levou”.
Eu realmente amo os filmes de guerra, talvez, porque através deles, consigo expressar um pouco da minha masculinidade perdida neste imenso deserto que se tornou a vida humana do homem. O clima pessimista sempre faz a gente sentir um estranho prazer que só se compara ao som de um fado. A ideia de que nada tem solução, de que a vida valeu a pena pelo que foi e nunca pelo que se idealizou. Ver a decepção estampada nos olhos da população civil, enquanto guerreiros desorientados parecem lutar por uma ideologia que nunca irão entender de fato.
O filme de guerra sempre me arrebata. Cada vez que assisto um, vou junto com ele até o inferno; passeio pelos campos gelados da Rússia, as planícies mais distantes da Turquia, as montanhas misteriosas da Grécia. Naufrago no oceano pacífico, reapareço em uma praia qualquer do mediterrâneo, mergulho fundo num submarino, em pleno atlântico e me deparo com os olhos azuis, castanhos, rasgados e lábios besuntados de bathon daquelas atrizes sempre glamourosas, magras e muito pálidas, com uma pintinha do lado esquerdo do lábio superior. Não sei porque, mas as atrizes de filmes de guerra sempre se parecem, com a Latícia Sabatella!
"Eterno Amor" - Marca como um grande retorno do cinema francês. Um drama de guerra onde a procura pelo amado atravessa o filme e vai direto na víscera do expectador. |
Não são poucas as vezes que em minha cabeça, revejo todos os filmes de guerra ao mesmo tempo: “Dr. Jhivago”, “Cavalos de Guerra”, “O Resgate do Soldado Ryan”, “O Beijo da Mulher Aranha”, “Flores do Oriente”, “Conspiração em Xangai”, e neles, me consolo nos braços das belas atrizes glamourosas de Hollyood e tantos outros lugares onde o cenário é a guerra que parece estar sempre dentro de mim e me levando com ela, para lutar ferozmente contra algum inimigo, em nome do que acredito, e defendendo algum tipo de ideal.
O filme de guerra bom é aquele que tem um amor impossível. No “O Beijo da Mulher Aranha”, Valentin, o personagem de Raul Júlia, sonhava com a mesma mulher e era sempre ela que estava nas situações mais perigosas e diante de amores impossíveis; hora ajudava a resistências francesa contrariando o sentimento de amor por um Alemão nazista, ou então, não passava de uma guerrilheira oculta nos porões da ditadura brasileira. Sonia Braga está eterna e impagável neste filme, talvez, só superada por Ana Schygulla nos filmes imortais de Fassbinder, como nos clássicos “Lili Marlene” e “O Casamento de Maria Brown”. Esses filmes me levam às lágrimas até hoje, ainda que nenhum pesadelo tenha superado a agonia de Audrey Tautou, no profundo, belo e amargurado “Eterno Amor” de Jean-Pierre Jeunet, neste filme, a bela musa francesa, busca de seu amor perdido pelas trincheiras da primeira guerra mundial.
A guerra, talvez por ser o mais espetacular ritual de morte, aparece nos filmes, como sonhos possíveis, e justificada sempre, por uma poesia estranha. O gosto amargo se torna doce, porque parece que tudo acaba bem e, se não tiver um final feliz, ao menos nos abre uma perspectiva para lembrar que, apesar de tudo, desfrutamos de um estranho TEMPO DE PAZ.
Jiddu Saldanha
09/02/2014
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