Formado em Letras pela UFMG.
Em 1996 teve seu primeiro contato com os índios em Minas Gerais, quando foi dar aulas de Português e Literatura para eles. Foi quando iniciou pesquisas sobre a língua e a literatura do povo Maxakali, o único em Minas que ainda tem sua língua falada por toda a comunidade. A partir daí, começou a fotografar sistematicamente os índios, seja na aldeia, seja em suas atividades na cidade.
Em 2001, fazendo mestrado, foi aos Estados Unidos, onde morou um ano. Em 2006 comecou a fazer oficinas e um curso na área de cinema. No começo deste ano, terminou outro curso, de pós-produção em audiovisual participando de algumas mostras e festivais com o seu “Caligrafilmes”. Paralelamente vem ensinando e produzindo com os índios. Com amigos, fundou a Pajé Filmes e passou a desenvolver os vários projetos em equipe.
Cine Mosquito – Fale um pouco da tua relação com o audiovisual.
Charles Bicalho - É uma relação que sempre houve. Sempre fui muito ao cinema, desde menino. A coisa se tornou um hábito que nunca mais parou. Na adolescência freqüentava a Sala Humberto Mauro do Palácio das Artes em Belo Horizonte, que sempre privilegiou o cinema diferenciado, de autores, ou raridades. Considero a fase mais importante de minha formação em cinema. Ainda hoje tenho curiosidade para descobrir novos autores e coisas antigas que sejam novidade pra mim.
Mas a produção em audiovisual só foi possível com a democratização digital devido ao barateamento dos equipamentos ocorrido nos anos de 2000. Aí se tornou viável pra mim adquirir computador, máquina fotográfica, e, finalmente, filmadora.
No começo deste ano terminei um curso de pós-produção para tv, cinema e novas mídias.
Hoje em dia, além de meu trabalho de pesquisa acadêmica, criei com amigos uma produtora, a Pajé Filmes, que busca desenvolver nossos projetos, alguns deles com a participação de representantes das etnias indígenas mineiras. Isael e Sueli Maxakali, por exemplo, da etnia Maxakali, fazem parte da Pajé. Assim como Janine Brioude, Marcos Henrique Coelho, Wladimir Moura, Gis Rezende e Rafael Fares, que não são indígenas.
CM – Como surgiu a idéia de fazer cinema junto aos índios de Minas Gerais?
CB - Trabalho com os índios aqui em Minas desde 1996, quando fui convidado a ensinar Português a eles num curso de formação para professores indígenas.
Neste ponto o foco era a literatura. Aprendi um pouco da língua Maxakali, dos índios desta etnia, ainda preservada aqui em Minas. Aprendia com os índios meus alunos no tal curso, enquanto realizávamos transcrições e traduções para o Português de suas histórias e cantos tradicionais. Esse trabalho visava a produção de material didático diferenciado para as escolas indígenas, e publicamos até agora, só com os Maxakali, seis livros bilíngües.
Mais tarde, quando adquiri equipamento de filmagem e comecei de fato a realizar trabalhos audiovisuais (a fotografia já era um hábito desde o início da relação com os índios), realizei como professor, no âmbito do mesmo curso de formação para os professores indígenas, oficinas de audiovisual para mais de 70 índios, com duração de uma semana no Parque Estadual do Rio Doce em Minas. Nestas oficinas, os índios receberam noções sobre a escrita do roteiro, a pré-produção, a preparação de atores, maquiagem, figurino, enfim, todas as fases na produção de um filme. Houve também oficina de operação de câmera, em que os alunos receberam ensinamentos sobre noções de fotografia, enquadramento, etc.
A partir daí os índios realizaram todas as etapas de filmagem. Apenas a edição e finalização foram realizadas em Belo Horizonte por mim e por Rafael Fares, meu parceiro na empreitada. Dessa experiência foram realizados quatro curtas-metragens, que no conjunto ganharam o nome de “O sonho do pajé”.
Além disso, faço parte, assim como Rafael Fares, de um grupo de pesquisas da UFMG, chamado Literaterras, que, além da publicação de livros, também desenvolve oficinas de vídeo com os índios estudantes mineiros. Lá, além da produção própria, lidamos com um vasto acervo de filmes produzidos por índios ou com índios do Brasil inteiro, como, por exemplo, os do projeto Vídeo nas Aldeias.
Diante do grande número de títulos desta cinematografia indígena é que resolvemos fazer a Mostra Pajé de Filmes Indígenas, cuja primeira edição aconteceu em setembro último no auditório da Escola de Belas Artes da UFMG. Além de sete filmes de diretores indígenas, exibimos dois filmes de diretores não-índios, mas cuja temática se relaciona a esses povos tradicionais. São dois filmes brasileiros que, em essência, documentais, não se atém muito à pureza de gênero. Trata-se de “500 Almas”, de Joel Pizzini, e “Serras da Desordem”, de Andrea Tonacci. A programação completa da Mostra Pajé pode ser conferida no nosso blog (http://www.paje-filmes.blogspot.com/).
CM – Quem são os cineastas que você admira e que influenciaram tua história com o cinema?
CB - Difícil dizer. Além do mais, não me interesso apenas pelo cinema. Sempre fui um grande consumidor de literatura. Música também sempre instigou a minha curiosidade. E hoje em dia, com o computador, em que todas as linguagens estão ao alcance do mouse, mais do que nunca, quem se interessa por arte, seja produzindo ou consumindo, tem um caráter multimidiático. O próprio cinema, diante das possibilidades interativas das novas mídias, fica defasado, devido a sua característica de passividade do espectador diante da tela, que apenas vê, ouve e sente, mas não interfere.
Meu filme “Caligrafilmes” é reflexo dessa diversidade de interesses. Sendo uma série de sete vídeo-poemas, ele explora a relação entre a imagem e escrita. E dialoga com tradições que sempre enfocaram a imagem da escrita, como a caligrafia árabe e os ideogramas chineses. Modernamente falando, cito os caligramas (poemas cuja mancha de impressão sobre o papel evoca figuras). E contemporaneamente falando ainda, a poesia concreta, os vídeo-poemas de Arnaldo Antunes, até chegar ao grafite urbano, que também tem uma categoria que explora o aspecto visual da escrita. Meu “Caligrafilmes” é assim um experimento que trás a palavra para um suporte que tradicionalmente privilegia a imagem, dando cores, formas e movimentos à escrita. Ele se constitui quase como hieróglifos animados.
Ainda assim, adoro o cinema e tenho admiração por muitos diretores, principalmente aqueles dedicados a explorar as possibilidades da linguagem audiovisual. Atualmente, por exemplo, tenho acompanhado a obra do dinamarquês Lars von Trier, desde o primeiro filme que vi dele, “Os Idiotas”, que me causou uma sensação boa devido ao tema pouco usual e à proposta de uma linguagem despojada. Mais tarde, com “Dogville”, ele novamente quebrou paradigmas com aquela espécie de cinema-teatro.
Mas gosto também de clássicos antigos como Antonioni, Kubrick e outros. No Brasil, Glauber Rocha é sempre uma grande inspiração. Assim como Zé do Caixão.
Mas admiro também a nova geração que vem renovando nosso cinema. Caras como Marcelo Gomes (“Cinema, Aspirinas e Urubus”) e Karim Ainouz (“Céu de Suely”), que se juntaram ultimamente e realizaram um filme sobre o qual li coisas instigantes que me despertaram a vontade de assistir. Trata-se de “Viajo porque preciso, volto porque te amo”. Lírio Ferreira também faz um cinema que me interessa.
CM – Fale um pouco para nós sobre o cinema que rola na grande Minas Gerais.
CB - Existem alguns cursos, mas ainda falta uma boa estrutura para quem quer aprender e produzir.
A Escola de Belas Artes da UFMG é um pólo de produção respeitável, mas mais restrito ao gênero animação. As pessoas costumam se organizar em grupos e desenvolver seus trabalhos na raça.
O forte em Minas são as mostras e festivais. O incentivo para a formação vem de iniciativas mais que louváveis como a da Universo Produções que realiza as mostras de Tiradentes, Ouro Preto e a CineBH todo ano, oferecendo oficinas e exibindo o melhor do cinema brasileiro.
Tem quem vem de outras partes para filmar aqui, aproveitando as locações, principalmente nas cidades históricas. Atualmente, por exemplo, está sendo rodada mais uma adaptação de Guimarães Rosa para as telas. Na verdade uma refilmagem.
No mais, a disputa por uma vaga nos editais públicos é determinante. Quando sai um edital, há sempre uma enxurrada de projetos concorrentes.
CM – Como você vê a retomada do cinema nacional? Quais as perspectivas?
CB - Vejo o cinema brasileiro atual com muita empolgação. Sempre achei que o cinema do Brasil está entre os melhores do mundo. O que dificulta as coisas para nós é o mercado que já está dominado e a ignorância e inércia de alguns políticos que poderiam fazer mais pela educação no Brasil, ajudando a formar mais público para a nossa produção.
O que mais gosto de ver são os bons filmes brasileiros. Não se trata de ufanismo ou nacionalismo. É que me interesso em saber o que andam fazendo à minha volta. E como a minha realidade pode ser retratada nas telas.
Acho que o caminho é de muito trabalho para conquistar espaço, mas vejo a concorrência como um estímulo. O Brasil tem um potencial de mercado enorme para os filmes feitos aqui. Tem é que pegar e fazer, na medida do possível e do esforço.
CM – Fale um pouco das produções de filmes que você tem feito ultimamente.
CB - Depois da experiência com filmes de escola e meu curta “Caligrafilmes”, meu foco agora são os projetos que tenho elaborado com o pessoal da Pajé. Aguardo o resultado de uma lei de incentivo para um projeto que se chama “O Monstro do Sertão”, sobre um grande artista pernambucano. Temos ainda outras coisas em perspectiva. Isael e Sueli Maxakali já falaram de um filme que querem fazer baseado numa história de suas tradições e vamos ajudá-los a conseguir as condições para a sua realização, elaborando projeto e buscando todo tipo de apoio.
Outro projeto que temos é juntar um cineasta aqui de BH, que é um mestre em efeitos especiais, com os índios para a realização de um filme com base em roteiro com um quê de fantástico.
Até um projeto para filme de terror clássico temos na Pajé.
Além disso, já pensamos na segunda edição da Mostra Pajé de Filmes Indígenas para o ano que vem.
Enfim, trabalho é o que não falta.
CM – Quem é Charles Bicalho por Charles Bicalho?
CB - Que pergunta difícil! Mais fácil os outros dizerem quem a gente é. Mas, sou alguém lutando por um espaço, tentando fazer o que gosta.
entrevistado por Jiddu Saldanha http://www.jiddusaldanha.com/
Interesante entrevista mis saludos y felicitaciones a Charles Bicalho y Jiddu Saldanha por este trabajo de rescate de la memoria y patrimonio viviente de Brasil, del estado de Minas Gerais en este caso y por la incansable labor de divulgación cultural que hace Jiddu. El poeta Oswald de Andrade nos dice que tiene una gran importancia por su llamado de atención para las culturas indígenas brasileras. La unión con lo sagrado, la llamada del sentido órfico, no puede ser perdido en el hombre.
ResponderExcluirAbrazo y saludos fraternos desde Santiago de Chile
Leo Lobos